quarta-feira, 9 de março de 2011

Bruna Surfistinha, o filme.


O filme autobriográfico inspirado no livro "O doce veneno do Escorpião" da ex garota de programa Raquel Pacheco, entra em cartaz nos principais cinemas brasileiros deixando o público com a sensação de voyerismo. A verdade seja dita, a intimidade alheia nos é como uma janela indiscreta, alimentamos curiosidades e fantasias a respeito à todo instante, do contrário os reality shows não fariam tanto sucesso. Da mesma forma, o que me motivou a entrar na sala 5 do cinema na última terça e assistir por cerca de duas horas a história protagonizada por "Bruna Surfistinha" foi a vontade de mesmo que por alguns instantes, fazer parte daquela realidade como um observador passivo aos acontecimentos ali narrados. Durante uma sessão de cinema, não podemos reagir. Nossas emoções se consomem a medida que o filme é rodado e se convertem rapidamente, passamos da tristeza à euforia, entre a indignação e o compadecimento, e ali permanecem nossas impressões.


Assunto em pauta mundialmente, a profissão mais antiga do mundo adquiriu com o passar dos anos diferentes denominações, porém, o ato de vender o próprio corpo continua sendo prostituição. No século XXI, berço da sociedade de consumo, a sociedade ainda faz vistas grossas ao problema e muitas vezes é conivente com a divulgação e incentivo a este exercício. Visto que o século passado foi marcado pelas lutas de classes e a ascensão das mulheres no mercado mundial, adquirindo uma posição que alguns denominam: " de igual para igual", com relação aos homens, nossa sociedade ainda possui mulheres que em busca de dinheiro fácil, mergulham no submundo do sexo. A maiorida delas admite esta posição por livre e expontânea vontade, outras tantas fazem parte do tráfico de mulheres que ocorre ao redor do mundo, em que a elas é dada a promessa de emprego e melhores condições de vida no exterior, porém quando se deparam com a verdadeira realidade já estão sendo abusadas e escravizadas sexualmente sem poder voltar a seu país de origem, se tornando prisioneiras do crime, e moeda corrente do mercado negro insuflado pela marginalidade que permeia as atividades ilegais de tráfico de drogas e de armas.

No Brasil, a realidade mesmo que pintada de um modo diferente, leva a um denominador comum, o dinheiro fácil. Prostituir-se não é uma atividade ilegal e creio que vem deixando de ser tabu. Um dos motivos dessa mudança no cenário social é o fato das mulheres adquirirem um valor no mercado através do corpo que ostentam. Creio que a proliferação das garotas de programa no mundo, também está muito ligada à valorização e a extrema importância que o corpo adquiriu em nosso tempo. A medicina estética nunca fora uma fonte tão rentável. Além disso, as instituições tradicionais vem lentamente se enfraquecendo, perdendo sua posição de referencial social, a família, o estado as religiões são apenas parte de um setlist pessoal e individual que cada um preenche a seu bel prazer.


A fluidez das relações como muito bem definira Zigmunt Baumann em "Amor líquido" insfula o sentimento de satisfação momentânea, das relações de troca instântanea assim como as relações de consumo. Haja visto que o cenário se apresenta desta forma, muitas garotas bonitas passam a fazer sexo por dinheiro não por uma necessidade ou um ato de degradação de sua imagem, muito pelo contrário, pois acreditam que são tão especiais, tão maravilhosas, tão únicas e gostosas em se tratando de estética, que os homens devem pagar para ficar com elas. No fundo este conceito está calçado em um outro muito antigo, relacionado a veneração e vaidade. Assim como um relógio Boss que o consumidor se apaixona na vitrine, o corpo feminino ganha uma roupagem vendável, uma marca engessada nas formas perfeitas e admiradas pelos países mais desenvolvidos, a exemplo dos Estados Unidos, que criaram o esteriótipo magrela com peitão.

Assim se traduz a estética apresentada no filme, ao tempo que sugere a reflexão é um livro aberto que chama o espectador para perto de si, e nele derrama a conta gotas o doce veneno do escorpião. A paradoxal vida que se equilibra sob a corda bamba do glamour e da subversão. As páginas negras da vida de Raquel Pacheco estão abertas, para serem lidas e relidas, servindo de exemplo mais do que tudo, e revelando como funciona a máquina que vende o corpo humano, ecoando susurros de luxúria e desespero em notas desafinadas que o prazer incita.

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