quinta-feira, 31 de março de 2011




Faz tempo que não venho aqui. Não me recordo de como foi a última vez. Sei que nestas indas e vindas, com mudanças vindo como o sopro do vento anunciando o início do outono, eu esqueci de registrar. Voltei para o ninho. Aquela história toda de pintar paredes novas não se concretizou. Talvez eu espreitasse por uma mudança, mas essa não necessariamente se materializou, talvez tenha se perdido no plano das idéias e pensamentos e sonhos e desejos e tudo mais que a gente se alimenta para viver dia após dia. Então, me vejo sentada, a admirar um lago profundo e escuro iluminado por um feixe de luz, o lugar é um descampado e o céu rasga o horizonte descortinando estrelas num dia azul. Bom se pudessemos ver as estrelas mesmo com o sol brilhando, seria algo fantástico. Este lugar é um eclipse, o sol pediu um break para dar lugar aos outros astros que caíram na noite que fazia do instante, sua legítima presença. E meus olhos mergulhavam naquele lago, eles iam até as profundezas visualizando pontos brilhantes nas regiões abissais. Diferente de todas as águas aquela não era molhada, de uma consistência leve, ela deixava com que o corpo fluisse sem necessariamente me sentir imersa. Pude respirar tranqüilamente aquele ar me entrava nas narinas e tomava conta dos pulmões de uma maneira suntuosa. Eu senti todos os membros do corpo ligados pelas conexões nervosas e senti meu sangue correndo nas veias, assim como se sente quando a gente passa por uma situação de medo, ou uma descarga de adrenalina. Consegui sentar bem lá no fundo, e em seguida recostar a cabeça em uma colcha negra de algodão que me confortou imensamente. Meus olhos não viam a imagem que o cérebro pré concebia, mais rapidamente do que isso, como aquelas luminárias de led que brilham e se mexem sutilmente no escuro, meus olhos criavam as criaturas, elas transitavam ao meu redor e a medida que eu ia concebendo mais imagens elas iam tomando forma a minha frente. Elas ganhavam cor, tons e emoção a medida que eu projetava nelas as minhas preferências e elas se moviam rapidamente, não podiam me perceber, e vinham até mim como se fosse algo predestinado, mas não me encostavam, elas apenas dançavam. De repente, tudo clareou em um piscar de olhos, abri bem as pupilas e digeri aos poucos aquele cenário que eu resolvi me despedir tão bruscamente. O sol voltou a reinar, abri a porta vi que os móveis permaneciam intactos dentro de casa, levantei, caminhei por entre os corredores, toquei os objetos senti o aroma do cotidiano e novamente, me despedi.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Quantas vozes o mundo já calou?


Temo pretender uma conspiração reflexiva. Pelo contrário, fujo deste estereótipo mesmo que o título insista em sugeri-lo. O motivo pelo qual nasceu esta indagação é fundado em uma abstração que tive ao ouvir a lendária música Imagine de John Lennon. Não o conheci pessoalmente, uma lástima, muitos gostariam de ter tido esta oportunidade.

Ao mesmo tempo, ao observar as notícias que estão no foco de debates dos meios de comunicação, sobre a Tsunami que arrasou o Japão, dentre tantas outras relacionadas a catástrofes, mortes, guerras e conflitos ao redor do mundo, percebi que a paz de que ele falava, está longe de ser um ideal em nossa sociedade. Enquanto o mp4 player roda a playlist e sem querer Imagine toma conta dos meus ouvidos: "Imagine no possessions I wonder if you can No need for greed or hunger A brotherhood of man Imagine all the people Sharing all the world", sugerindo a imagem do ex-beatle a minha frente, e toda a aura mística que a mídia criou em volta de sua personalidade no show bizz, como pacifista que queria mudar o mundo através de seu trabalho artístico e da letra de suas músicas, me ponho a relacionar os acontecimentos atuais em foco, fora os tantos outros que me recordo, e me pergunto: quantas vozes o mundo já calou?

"Na madrugada de 8 de dezembro de 1980, o mundo foi surpreendido com a notícia da morte de John Lennon, em Nova York. Ele fora baleado por volta das 23 horas, por um fã fanático e desequilibrado."

Ao ler o fragmento da notícia acima, você realmente acredita que fora um fã fanático e desequilibrado que acabou com a vida de John Lennon? De certa forma, foi ele sim, quem foi lá e disparou os tiros, mas não são poucas as evidências que convergem para algo muito mais brutal e maquiavélico do que isso. Muitos acreditam que o Estado encomendou a morte do jovem inglês pois ele estava dando muito trabalho para o governo Americano que não queria que a "massa" ou seja o povo, muda-se sua opinião frente as políticas adotadas por eles, que viriam a sustentar os pilares da economia global nos anos posteriores. A força do capital sempre fala mais alto. Tanto a morte de John Lennon, como a de qualquer outro cidadão comum, ou mesmo as catástrofes naturais de que se tem notícia estão mesmo que de forma indireta, interligadas uma a outra pelo simples fato de nós, humanos, ignorarmos os limites que a nossa natureza impõe para ir até os últimos fins, para e pelo capital.

Vivemos em um tempo em que nossas necessidades não são de fato reais, e sim desejos entrojetados por uma ótica que pensa o mundo através do consumo. Nós somos seres consumistas que estão aos poucos sendo consumidos. O preço que temos que pagar é caro, e infelizmente a moeda de câmbio somos nós mesmos. Aproveitando a deixa vou anexar aqui alguns trechos da matéria feita pela jornalista Amy Davidson do New Yorker, que muito bem relacionou os fatos atuais ao sistema econômico e político que rege o mundo contemporâneo.


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A daily look at war, sports, and everything in between, by Amy Davidson


JAPAN: EARTHQUAKE, WATER, FIRE



An earthquake has hit Japan—at 8.9 on the Richter scale, the biggest ever recorded there. It was 2:46 in the afternoon, and the center was two hundred and fifty miles northeast of Tokyo, in an unhelpfully shallow part of the seabed. Train lines were turned into ribbons, debris fell wildly, an oil refinery caught fire. (It was strangely disorienting to see those pictures so soon after the news of another refinery, thousands of miles away in Libya, hit by an airstrike. We get our destruction in many forms.)

The scenes from Japan are awful. And yet: If you need evidence of why earthquakes are political and economic, almost as much as natural, experiences, look at the pictures from Japan, and the accompanying charts. Then remember the ones from Haiti. This is not to diminish what Japan is going through now, and the terror of the day for the people there; this has been a major blow, and many people are dead.

Nos dois fragmentos do artigo, Amy menciona eventos simultâneos que vem acontecendo em diferentes pontos do planeta para então alertar: "we get our desctruction in many forms". É fato, estamos vivendo uma etapa única na história do planeta. Talvez a conversa com John Lennon não seja possível, mas agora é mais do que compreensível a sua misticidade. Se nesse mundo não podemos ser míticos, optemos por tentar sermos místicos.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Bruna Surfistinha, o filme.


O filme autobriográfico inspirado no livro "O doce veneno do Escorpião" da ex garota de programa Raquel Pacheco, entra em cartaz nos principais cinemas brasileiros deixando o público com a sensação de voyerismo. A verdade seja dita, a intimidade alheia nos é como uma janela indiscreta, alimentamos curiosidades e fantasias a respeito à todo instante, do contrário os reality shows não fariam tanto sucesso. Da mesma forma, o que me motivou a entrar na sala 5 do cinema na última terça e assistir por cerca de duas horas a história protagonizada por "Bruna Surfistinha" foi a vontade de mesmo que por alguns instantes, fazer parte daquela realidade como um observador passivo aos acontecimentos ali narrados. Durante uma sessão de cinema, não podemos reagir. Nossas emoções se consomem a medida que o filme é rodado e se convertem rapidamente, passamos da tristeza à euforia, entre a indignação e o compadecimento, e ali permanecem nossas impressões.


Assunto em pauta mundialmente, a profissão mais antiga do mundo adquiriu com o passar dos anos diferentes denominações, porém, o ato de vender o próprio corpo continua sendo prostituição. No século XXI, berço da sociedade de consumo, a sociedade ainda faz vistas grossas ao problema e muitas vezes é conivente com a divulgação e incentivo a este exercício. Visto que o século passado foi marcado pelas lutas de classes e a ascensão das mulheres no mercado mundial, adquirindo uma posição que alguns denominam: " de igual para igual", com relação aos homens, nossa sociedade ainda possui mulheres que em busca de dinheiro fácil, mergulham no submundo do sexo. A maiorida delas admite esta posição por livre e expontânea vontade, outras tantas fazem parte do tráfico de mulheres que ocorre ao redor do mundo, em que a elas é dada a promessa de emprego e melhores condições de vida no exterior, porém quando se deparam com a verdadeira realidade já estão sendo abusadas e escravizadas sexualmente sem poder voltar a seu país de origem, se tornando prisioneiras do crime, e moeda corrente do mercado negro insuflado pela marginalidade que permeia as atividades ilegais de tráfico de drogas e de armas.

No Brasil, a realidade mesmo que pintada de um modo diferente, leva a um denominador comum, o dinheiro fácil. Prostituir-se não é uma atividade ilegal e creio que vem deixando de ser tabu. Um dos motivos dessa mudança no cenário social é o fato das mulheres adquirirem um valor no mercado através do corpo que ostentam. Creio que a proliferação das garotas de programa no mundo, também está muito ligada à valorização e a extrema importância que o corpo adquiriu em nosso tempo. A medicina estética nunca fora uma fonte tão rentável. Além disso, as instituições tradicionais vem lentamente se enfraquecendo, perdendo sua posição de referencial social, a família, o estado as religiões são apenas parte de um setlist pessoal e individual que cada um preenche a seu bel prazer.


A fluidez das relações como muito bem definira Zigmunt Baumann em "Amor líquido" insfula o sentimento de satisfação momentânea, das relações de troca instântanea assim como as relações de consumo. Haja visto que o cenário se apresenta desta forma, muitas garotas bonitas passam a fazer sexo por dinheiro não por uma necessidade ou um ato de degradação de sua imagem, muito pelo contrário, pois acreditam que são tão especiais, tão maravilhosas, tão únicas e gostosas em se tratando de estética, que os homens devem pagar para ficar com elas. No fundo este conceito está calçado em um outro muito antigo, relacionado a veneração e vaidade. Assim como um relógio Boss que o consumidor se apaixona na vitrine, o corpo feminino ganha uma roupagem vendável, uma marca engessada nas formas perfeitas e admiradas pelos países mais desenvolvidos, a exemplo dos Estados Unidos, que criaram o esteriótipo magrela com peitão.

Assim se traduz a estética apresentada no filme, ao tempo que sugere a reflexão é um livro aberto que chama o espectador para perto de si, e nele derrama a conta gotas o doce veneno do escorpião. A paradoxal vida que se equilibra sob a corda bamba do glamour e da subversão. As páginas negras da vida de Raquel Pacheco estão abertas, para serem lidas e relidas, servindo de exemplo mais do que tudo, e revelando como funciona a máquina que vende o corpo humano, ecoando susurros de luxúria e desespero em notas desafinadas que o prazer incita.

terça-feira, 1 de março de 2011

This history starts here, my first experience living alone.


Já é possível conceber para onde vão todas as quinquilharias que juntei nos 23 anos em que morei com os meus pais. Imaginar onde serão pendurados os meus quadros, posters de viagem, a disposição dos móveis e a tonalidade das paredes. Assim, se inaugura a minha primeira experiência morando sozinha. De forma que prontamente um misto de sensações que se a unem a expectativa vem povoar meus dias. Mudanças sempre me interessaram. Muitas vezes passei pelos lugares e vislumbrei suas reformas. A palavra que melhor se adequa a essa realidade é a transformação. Toda mudança implica necessariamente uma tranformação. É possível observar que esta por sua vez, vêm sendo a tônica do tempo em que vivemos. Tudo se transforma rapidamente, admite novos contornos, redefinições, e assim nós mesmos vamos nos habituando a esta premissa, fazendo de nossos dias um palco de experimentações. É fato que o tempo é curto e que a versatilidade nunca foi tão necessária para conviver socialmente e também circular nos espaços públicos. Se estamos a procura de novas oportunidades, obviamente a inovação dá asas aos nossos calcanhares a ponto de atravessarmos a cidade a passos largos, como eu mesma o fiz nesta tarde, em busca do meu futuro apartamento.


Procuro um espaço de quatro cômodos contando com banheiro, cozinha, sala, quarto e área de serviço. Algo que possa abrigar à mim, e todos os meus pertences que vem junto na mudança. O motivo dela? Ainda não é óbvio, mas estou empreendendo esta aventura para aprender. Voltar a faculdade será apenas uma das perspectivas que busco neste novo ninho. Nunca estive muito certa do que iria encontrar pelo caminho, assim como a maioria das pessoas, mas confio na intuição. Desde sempre cruzei pelas ruas de Porto Alegre como uma visitante. Observando o ir e vir das pessoas e o movimento característico desta cidade. Costumava ir no oftalmologista ali no Moinhos. Entre a sala de espera da clínica Lavinsky, sobrava um tempinho para ir no Mc Donalds da 24 e comer um big mac. Ah, como eu adorava esta porcaria de JUNK FOOD.


Meus óculos combinavam com a minha postura infantil. Inquieta eu sempre estava em busca de algo, o que me tornava uma criança um tanto impertinente, difícil de satisfazer, não muito diferente das de hoje. Me acostumei a andar de ônibus e táxi, quando descobri o metrô, me apaixonei. Nunca andei de trem Zurb, só aos 22 anos fui saborear uma experiência parecida em Londres, quando pus os pés pela primeira vez no famoso Underground- The Tube. Mas de qualquer forma, ambos em movimento sempre estarão ali para eu arriscar uma voltinha.


Tempos bons que me voltam à memória, dias frios e dias quentes, acompanhada pela mão de meus pais aos poucos eu fui absorvendo os novos ares da capital, de forma que aqui, sempre me senti bem acolhida. Meu retorno sozinha, sem nenhuma mão para me guiar é emblemático. Poderia ter acontecido muito antes de eu ter concluído a faculdade, porém, a vida me resguardou para estar aqui, neste momento.

A pós-graduação é uma oportunidade de descobrir uma Porto Alegre que eu desconheço. Cavocar suas facetas mais reconditas, que dificilmente se apresentariam nas minhas memórias infantis.


Contemplar as ruas com um certo realismo é uma tática necessária de sobrevivência. Nestes dias que estou por aqui, acompanhei pela televisão as notícias sobre o incidente que ocorreu com a massa crítica, aquela turma de ciclistas que estava fazendo uma manifestação ali na rua José do Patrocínio, na cidade baixa, quando um motorista avançou derrubando de suas bicicletas aqueles que cruzavam seu caminho. A cena é realmente chocante. É complicado aceitar, e a sociedade se sente constrangida em constatar que o fato é real, antes fosse um pesadelo. Vi pessoas em estado de choque, através do olhar, gestos e fala elas suplicavam nas imagens que alguém dissesse, isto não é real, antes fosse um sonho. Foi também a mudança por sua vez, o mote daquele passeio, que de manifestação adquiriu uma amplitude muito maior do que a pré-concebida. Apesar de um ato isolado de selvageria, a sociedade em geral se comoveu com a barbárie e este movimento só ganhou força. O que era a causa de uns, virou a causa de todos. O desejo de justiça prevalece sobre a nossa postura de consternação. Isto também entra para o HALL das primeiras impressões da minha nova história: como sobreviver morando sozinha.